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resolução Nº 3, de 5 de outubro de 2017
Dispõe sobre a prestação de serviços de alimentação e nutrição às pessoas privadas de liberdade e aos trabalhadores no sistema prisional |
O Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP, no uso de suas atribuições legais previstas nos artigos 10, 11, 12, 13 e 64 da Lei nº 7210/ 1984 (Lei de Execução Penal), que estabelecem que o fornecimento de alimentação ao preso e ao internado é dever do Estado:
CONSIDERANDO a lei nº 8080 de 19 de setembro 1990 que institui o Sistema Único de Saúde e dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, e dá outras providências;
CONSIDERANDO que a alimentação é um direito social estabelecido no Artigo 6º da Constituição Federal, após a Emenda Constitucional nº 64 de 2010.
CONSIDERANDO que a alimentação adequada e saudável é um direito fundamental do ser humano, reconhecido internacionalmente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 25) e pelo Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 11), sendo inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional de toda a população, como disposto na Lei n° 11.346, de 15 de setembro de 2006, que cria o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional;
CONSIDERANDO o artigo 38 do Código Penal afirma que "O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral";
CONSIDERANDO a Portaria Interministerial do Ministério da Saúde e do Ministério da Justiça nº 1 de 2 de janeiro de 2014 que institui a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional;
CONSIDERANDO a Portaria do Ministério da Saúde nº 482 de 1º de abril de 2014 que dispõe no âmbito do Sistema Único de Saúde, sobre as normas para a operacionalização da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional;
CONSIDERANDO a Portaria do Ministério da Saúde nº 1.428 de 1993, Portaria da Secretaria de Vigilância à Saúde do Ministério da Saúde nº326 de 1997 e Resolução Agência Nacional de Vigilância Sanitária nº 275 de 2002, sobre boas práticas de produção e de prestação de serviços na área de alimentação;
CONSIDERANDO o propósito da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN), aprovada por meio da Portaria do Ministério da Saúde nº 2.715 de 2011, de melhoria das condições de alimentação, nutrição e saúde da população brasileira, mediante a promoção de práticas alimentares adequadas e saudáveis, a vigilância alimentar e nutricional, a prevenção e o cuidado integral dos agravos relacionados à alimentação e nutrição;
CONSIDERANDO a Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), aprovada por meio da Portaria do Ministério da Saúde nº 2.488, de 21 de Outubro de 2011, pois a PNAN está organizada em diretrizes que abrangem o escopo da atenção nutricional no SUS com foco na vigilância, promoção, prevenção e cuidado integral de agravos relacionados à alimentação e nutrição, tendo a Atenção Básica como ordenadora das ações;
CONSIDERANDO a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança, instituída pela Portaria do Ministério da Saúde nº 1130, de 05 de agosto de 2015 que tem por objetivo promover e proteger a saúde da criança e o aleitamento materno, mediante a atenção e cuidados integrais e integrados da gestação aos 9 (nove) anos de vida, com especial atenção à primeira infância e às populações de maior vulnerabilidade, visando à redução da morbimortalidade e um ambiente facilitador à vida com condições dignas de existência e pleno desenvolvimento;
CONSIDERANDO a importância da intersetorialidade por meio de políticas, programas, ações governamentais e não governamentais para a execução da Política Nacional de Alimentação e Nutrição, por meio de ações articuladas entre saúde, assistência social, justiça, sociedade civil, ação social, entre outros;
CONSIDERANDO os princípios constitucionais e a responsabilidade do Estado pela custódia das pessoas e a autonomia do arranjo interfederativo no campo da saúde pública brasileira e da justiça; e
CONSIDERANDO que é responsabilidade do Estado oferecer orientações e suporte técnico e operacional para o desenvolvimento de boas práticas, da segurança alimentar e nutricional e contribuir para a garantia do direito à alimentação de todos os brasileiros, resolve:
Art. 1º - A Alimentação e Nutrição das pessoas privadas de liberdade regem-se pelas diretrizes da Política Nacional de Alimentação e Nutrição (PNAN) e pela Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN) e deve garantir:
I - a promoção da alimentação adequada e saudável, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para a manutenção da saúde, em conformidade com a faixa etária, inclusive dos que necessitam de atenção nutricional específica.
II - a criação de condições e ambientes que permitam o aleitamento materno exclusivo até o sexto mês e o aleitamento materno continuado até os dois anos da criança ou mais, que está em companhia da mãe que cumpre pena privativa de liberdade, em caráter transitório.
III - o fornecimento de uma alimentação adequada e saudável para a lactante, de modo que suas necessidades nutricionais sejam alcançadas para a produção do leite materno.
IV- a oferta de alimentos adequados e saudáveis para as crianças que estão em companhia das mães que cumprem pena privativa de liberdade, respeitando as quantidades, a qualidade e a consistência conforme diretrizes e princípios estabelecidos no Guia Alimentar para crianças menores de 2 anos.
Art. 2º - O planejamento, a organização, a direção, a supervisão e avaliação dos serviços de alimentação e nutrição que fornecem refeições para pessoas privadas de liberdade são de responsabilidade do profissional nutricionista, registrado no respectivo conselho profissional e objetiva a otimização da saúde e diminuição do risco de doenças pelo consumo insuficiente ou excessivo de algum nutriente.
Art. 3º - As refeições oferecidas deverão ser planejadas para cobrir, 100% das necessidades nutricionais diárias dos indivíduos e grupos atendidos.
§ 1º Considerando o Guia Alimentar para a população brasileira, as refeições deverão ser feitas em horários regulares, preferencialmente em companhia. Às pessoas privadas de liberdade, deverão ser ofertadas, minimamente, cinco refeições diárias: o desjejum, o almoço, o lanche, o jantar e a ceia. Os cardápios devem ser calculados com base nas recomendações (e alterações posteriores) da Organização Mundial da Saúde - OMS, que apresentam os seguintes valores de referência:
Tabela: Valores de referência para nutrientes
Nutrientes |
Valores diários |
Desjejum/lanche/ceia |
Almoço/jantar |
Valor Energético Total |
2.000 kcal |
300-400 kcal |
600-800 kcal |
Carboidrato |
50-75% |
50-75 % |
50-75 % |
Açúcar livre |
< 10 % |
< 10 % |
< 10 % |
Proteína |
10 -15% |
10-15 % |
10-15% |
Gordura Total |
20- 35% |
20-35 % |
20-35 % |
Gordura Saturada |
<10% |
<10 % |
<10% |
Fibra |
>25g |
4-5 g |
7-10 g |
Sódio |
< = 2000 mg |
300-400 mg |
600-800 |
§ 2º Os valores de referência para nutrientes previstos neste artigo são destinados à população adulta, e podem ser alterados, em função da faixa etária ou em condições de dietas especiais e restrições alimentares.
§ 3º - A base para a elaboração dos cardápios deve ser de alimentos in natura e minimamente processados utilizando sal, açúcar, óleos e gorduras em pequenas quantidades, conforme Guia Alimentar para População Brasileira vigente.
§ 4º - A oferta e a comercialização de alimentos processados deve ser limitada e os alimentos ultraprocessados devem ser evitados na composição das refeições, conforme Guia Alimentar para População Brasileira vigente.
I- Para efeito desta Portaria, consideram-se alimentos ultraprocessados com quantidades excessivas de açúcar, gordura e sódio as formulações industriais feitas inteiramente ou majoritariamente de substâncias extraídas de alimentos, derivadas de constituintes de alimentos ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas como petróleo e carvão.
§ 5º - A oferta de alimentos enlatados, embutidos, alimentos compostos (dois ou mais alimentos embalados separadamente para consumo conjunto), preparações semiprontas ou prontas para o consumo, ou alimentos concentrados (em pó ou desidratados para reconstituição) devem ser evitados, sugerindo sua oferta no máximo duas preparações por semana.
§ 6º - Recomenda-se que do total dos recursos financeiros destinados à aquisição de gêneros alimentícios, no máximo 30% (trinta por cento) sejam utilizados para a aquisição de alimentos enlatados, embutidos, doces, alimentos compostos (dois ou mais alimentos embalados separadamente para consumo conjunto), preparações semiprontas ou prontas para o consumo, ou alimentos concentrados (em pó ou desidratados para reconstituição).
§ 7º - Os cardápios deverão oferecer, no mínimo, cinco porções de frutas, verduras e/ou legumes in natura por dia (400g/dia) nas refeições ofertadas, sendo que as bebidas à base de frutas não substituem a oferta de frutas in natura.
§ 8º - Cabe ao nutricionista, responsável técnico, a definição do horário e do alimento adequado a cada tipo de refeição, respeitada a cultura alimentar.
§ 9º - Os cardápios deverão conter informações sobre o tipo de refeição, o nome da preparação, os ingredientes que a compõe e sua consistência, bem como informações nutricionais de energia, macronutrientes, micronutrientes prioritários (vitaminas A e C, magnésio, ferro, zinco e cálcio) e fibras, e ainda:
I - Os cardápios devem apresentar a identificação (nome e CRN) e a assinatura do nutricionista responsável por sua elaboração.
II - Os cardápios devem estar disponíveis às pessoas privadas de liberdade em locais visíveis na unidade prisional.
III - Os cardápios devem ser apresentados ao Conselho Municipal/Estadual de Saúde, ao Conselho Penitenciário, ao Juiz Corregedor da unidade prisional, ao Conselho Municipal/Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional.
§ 10º - Cardápios especiais deverão ser oferecidos individualmente quando houver indicação por razões de saúde ou exigência religiosa. Eles devem acompanhar o padrão do cardápio da alimentação normal, ajustados às necessidades requeridas.
§ 11 - Deve ser oferecida água potável e própria para o consumo sob livre demanda para os grupos.
§ 12 - Recomenda-se evitar a oferta de bebidas com baixo valor nutricional tais como refrigerantes e refrescos artificiais, bebidas ou concentrados à base de xarope de guaraná ou groselha, chás prontos para consumo e outras bebidas similares.
Art. 4º - É recomendável que do total dos recursos financeiros destinados à aquisição de gêneros alimentícios, no mínimo 30% (trinta por cento) sejam utilizados na aquisição de gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, nos termos da Lei 11.326, de 24 de Julho de 2006, Decreto Presidencial n. 8473, de 22 de Junho de 2015 e Resoluções n. 50 de 2012 e n. 56 de 2013, do Grupo Gestor do Programa de Aquisição de Alimentos.
Art. 5º Recomenda-se o cultivo de hortas e a elaboração de preparação culinárias dentro da unidade prisional por pessoas privadas de liberdade, sendo essa atividade contabilizada em sua jornada de trabalho.
Art. 6º - Se a produção das refeições for realizada na Unidade de Alimentação e Nutrição da unidade prisional, os espaços e processos de armazenamento, preparo, distribuição e consumo deverão estar de acordo com a Resolução RDC nº 275, de 21 de outubro de 2002, a Resolução RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004, a Resolução RDC nº 218, de 29 de Julho de 2005, a Resolução RDC nº 52, de 29 de Setembro de 2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária e demais normas sanitárias locais.
Art. 7º - Se os alimentos não forem preparados na unidade prisional, a empresa responsável pelo preparo, transporte e distribuição deve estar licenciada pela autoridade sanitária competente, mediante a expedição de licença ou alvará para esta incumbência e cumprir as mesmas normas, assim como implementar as mesmas diretrizes as quais estão submetidas as Unidade de Alimentação e Nutrição das unidades prisionais.
§1º: Os espaços e processos para transporte, armazenamento provisório, finalização do preparo, de distribuição e de consumo destes alimentos deverão obedecer às Resoluções de Diretoria Colegiada (RDC) nº 216, de 15 de setembro de 2004, nº 218, de 29 de Julho de 2005 e nº 52, de 29 de Setembro de 2014, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e demais normas sanitárias locais.
§2º: O armazenamento e o transporte do alimento preparado, da distribuição até a entrega ao consumo, deve ocorrer em condições de tempo e temperatura que não comprometam sua qualidade higiênico-sanitária. A temperatura do alimento preparado deve ser monitorada durante essas etapas. Para conservação a quente, os alimentos devem ser submetidos à temperatura superior a 60ºC (sessenta graus Celsius) por, no máximo, 6 (seis) horas, nos termos da RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004.
§3º: Os Contratos, Termos de Referências e demais instrumentos a serem celebrados para contratação de serviços de alimentação conterão detalhamento quanto aos tipos de alimentos e refeições que serão fornecidos, bem como tempo e horário de entrega, garantindo que o disposto no art. 3º desta Portaria seja observado, assim como as recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira e de outros instrumentos orientadores relacionados.
Art. 8º - A Vigilância Sanitária local é a responsável pela garantia da manutenção da qualidade de todos os processos e deve informar ao Conselho Municipal de Saúde, o Conselho Penitenciário, o Juízo da execução penal, o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (quando estiver instalado), o Ministério Público e a Defensoria Pública semestralmente da qualidade da água e da alimentação oferecida às pessoas privadas de liberdade e qualquer anormalidade acontecida neste intervalo.
Art. 9º Os produtos alimentícios a serem adquiridos para as unidades prisionais deverão atender ao disposto na legislação de alimentos, estabelecida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA do Ministério da Saúde - MS e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA.
§ 1º Os relatórios de inspeção sanitária dos alimentos utilizados deverão permanecer à disposição por um prazo de cinco anos.
§ 2º Cabe às unidades prisionais adotar medidas que garantam a aquisição, o transporte, a estocagem e o preparo/manuseio de alimentos com adequadas condições higiênico-sanitárias até o seu consumo pelas pessoas privadas de liberdade no sistema prisional.
Art. 10 - O sistema de informação da Atenção Básica vigente deverá ser alimentado semestralmente, visando o monitoramento dos indicadores do estado nutricional e de consumo alimentar das pessoas privadas de liberdade.
Parágrafo único: Os indicadores do estado nutricional e de consumo alimentar serão monitorados pelo gestor responsável pela saúde na unidade, que informará o Conselho Municipal de Saúde, o Juízo da execução penal, o Conselho Penitenciário, o Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (quando estiver instalado), o Ministério Público e a Defensoria Pública semestralmente;
Art. 11 - É vedado às unidades prisionais suspender, reduzir ou suprimir as refeições das pessoas privadas de liberdade a título de punição ou condicionar seu fornecimento ao comportamento ou prestações de serviços;
Art. 12 - O gestor de saúde prisional é o responsável por promover o fortalecimento da participação do controle social no planejamento, execução, monitoramento e avaliação de programas e ações de alimentação e nutrição voltadas para as pessoas privadas de liberdade.
Art. 13 - As dúvidas e casos omissos exarados nesta portaria serão dirimidos pelo Departamento de Atenção Básica, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas da SAS/MS e pelo Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça.
Art. 14 - Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
CESAR MECCHI MORALES
Este texto não substitui o original publicado nos veículos oficiais (Diário Oficial da União - DOU e Boletim de Serviço - BS).